quarta-feira, 28 de julho de 2010

As mulheres do deserto

A vida das mulheres do deserto é dura.


Trabalham sob o sol impiedoso,


andam muitas e muitas léguas para buscar água no poço duas vezes ao dia,


cuidam dos filhos, dos afazeres domésticos e tecem seus véus.


Geralmente, elas não tem grandes expectativas. Exceto uma;


o regresso de seus homens.






As mulheres do deserto são felizes. A vida delas é a eterna espera.


Invocam deuses e deusas pela volta de seus amados,


mas para elas a alegria é a mesma, tanto no retorno quanto na espera.






As mulheres do deserto aprendem desde cedo a serem pacientes.


Entendem que no deserto não existe tempo. Horas, dias, anos...tanto faz.


Sabem que o deserto é caprichoso, mas sábio. E cedo ou tarde trará os homens de volta.


E esses homens, certamente, voltarão de cada jornada mais carinhosos que da ultima vez.






Por que essas mulheres sabem que deserto transforma um menino em homem,


mas o retorno para os braços delas, faz de homens feitos apenas meninos.






Infeliz daquela mulher do deserto que não tem ninguém para ansiar pela volta.


Que não tem nenhum homem que sonhe com ela em uma noite fria.


Amaldiçoadas mulheres que não tem razão alguma para viver.


Estas vêem com tristeza suas companheiras


que sonham acordadas e suspiram apaixonadas todos os dias.






Eu não sou uma mulher do deserto. Eu peno com a distancia.


Eu sofro com tempo.


Este maldito e inconstante tempo,


que teima em ser infinito na ausência e meteórico na presença.










Eu tenho inveja das mulheres do deserto.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Tarde Vaga

Que a força do medo que tenho

não me impeça de ver o que anseio

que a morte de tudo em que acredito

não me tape os ouvidos e a boca

pois metade de mim é o que eu grito

a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe

seja linda ainda que tristeza

que a mulher que amo seja pra sempre amada

mesmo que distante

pois metade de mim é partida

a outra metade é saudade.

Quer as palavras que falo

não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor

apenas respeitadas como a única coisa

que resta a um homem inundado de sentimentos

pois metade de mim é o que ouço

a outra metade é o que calo.

Que a minha vontade de ir emborase transforme

na calma e paz que mereço

que a tensão que me corrói por dentro

seja um dia recompensada

porque metade de mim é o que pensoa outra metade um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste

e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável

que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso

que me lembro ter dado na infância

pois metade de mim é a lembrança do que fui

a outra metade não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria

pra me fazer aquietar o espírito

e que o seu silêncio me fale cada vez mais

pois metade de mim é abrigo

a outra metade é cansaço.

Que a arte me aponte uma resposta

mesmo que ela mesma não saibae que ninguém a tente complicar

pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

pois metade de mim é platéiaa outra metade é canção.

Que a minha loucura seja perdoada

pois metade de mim é amor

e a outra metade também.



(Oswaldo Montenegro)